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Encerramos o capítulo anterior falando sobre o “Calcanhar de Aquiles” dos veículos diesel utilizados predominantemente no Ciclo Urbano Curto. Mas o que é exatamente isso?

Desde sempre, todos motores de combustão interna necessitam atingir uma determinada temperatura de trabalho para que suas folgas se ajustem melhorando a eficiência térmica e, assim, permitindo seu correto funcionamento.

Biodiesel
O debate em torno do biodiesel é constante (Foto: Lothar Wandtner / Pixabay)

Nos motores atuais os processos de usinagem estão cada vez mais aprimorados, com tolerâncias cada vez menores, temperatura de trabalho mais elevadas, melhor eficiência térmica, dispositivos de redução de emissões etc. Assim, a temperatura de trabalho correta se torna cada vez mais necessária.

Porém, o que acontece na realidade com uma considerável parcela de usuários de SUV’s e pick-ups diesel é a utilização do veículo em ciclos urbanos curtos – que é um dos mais severos.

Mas o que é uso severo de um veículo?

Para a maioria das pessoas, o uso severo é somente a utilização em vias não pavimentadas, em situação de muita poeira, puxando reboque, sobrecarga, etc. Mas o que a maioria das pessoas desconhecem, é que talvez uma das formas mais perversas de utilização de um automóvel são os trajetos urbanos curtos e a falta de uso regular – o famoso “carro de garagem”. Uma vez que estas situações impedem que o motor e outras partes de alcancem a temperatura ideal de funcionamento.

Como resultado disso o combustível injetado na câmara não queima corretamente, permitindo assim que resíduos escorram entre os cilindros e pistões lavando a lubrificação nas paredes dos cilindros, propiciando desgaste prematuro e contaminando o óleo do cárter.

E aí este processo aliado aos sistemas de controle de emissões (citados na primeira parte da série) inicia o ciclo progressivo de contaminação dos sistemas de alimentação e exaustão.

E como a contaminação acontece?

Este combustível “mal queimado” transformado em gás é extremamente poluente e, como já citado, ele desce para o cárter. Ali, em contato com o lubrificante, ele se mistura a partículas de óleo que, por sua vez, também não podem ser descarregadas na atmosfera. Esta mescla sobe pelo chamado blow-by para o sistema de admissão para ser queimada, juntamente com uma parcela dos gases de descarga vindos da EGR.

Porém, se o motor não está suficientemente aquecido, a queima será parcial e uma boa parte desta mescla novamente escapa entre o cilindro e pistão, voltando ao cárter e gerando um ciclo vicioso.

Como este processo é lento e progressivo o motorista não percebe que o desempenho do seu carro se deteriora. E as coisas debaixo do capo não estão tão tranquilas.

Vejam como ficaram saturados os corpos de borboleta, também conhecido como TBI sendo o primeiro após 18.500 quilômetros em um carro de intenso uso urbano de ciclo curto (foto 1), e outro com 42.000 quilômetros (foto 2):

Nestes mesmos veículos observem o nível de carbonização na entrada do coletor de admissão logo após o corpo de borboleta, que caso não seja efetuada uma descarbonização preventiva pode levar à obstrução total.

Conforme explicado anteriormente, o sistema EGR é responsável pela recirculação de gases da descarga. E como era de se esperar, é natural que em um sistema que trabalha recirculando gases expelidos pela descarga ocorra uma certa carbonização.

Mas aí novamente temos problemas com veículos de uso em ciclo urbano curto. Um motor trabalhando abaixo da sua temperatura ideal gera maior volume de queima incompleta e, por consequência, gases mais saturados. Resultado disso: elevada incrustação do sistema provocando importante obstrução e levando à sua inoperância com significativa alteração no desempenho do veículo.

E as coisas não terminam por aí. Imaginem para onde vão os gases provenientes da queima de combustível total ou parcial. Os vapores do lubrificante, resíduos e tudo mais que passam pelo Corpo de Borboleta (TBI), EGR, Blow-by, Coletor de Admissão, Válvulas, Câmaras, etc.

Sai tudo pela descarga e aquele carvão negro tão característico nas descargas dos antigos veículos diesel ficam retidos no tão falado e muito injustiçado filtro de partículas – o DPF.

E como ele fica nessa história?

DPF-Filtro-de-Partículas
DPF (Filtro de Partículas)

Devido ao seu princípio de funcionamento, talvez mais do que todos outros sistemas, este dispositivo necessita de estar na temperatura correta para desempenhar adequadamente a sua função.

É sabido que os gases ao passarem pelo catalisador tem a sua temperatura fortemente elevada “incinerando” o resultante da combustão e mantendo o DPF em um nível aceitável de saturação.

Este processo, também conhecido como regeneração passiva, faz parte da operação normal do veículo, já que operando em longos ciclos geram calor suficiente para que a fuligem presente no DPF reaja com a cerâmica, formando dióxido de carbono (CO2) – que é eliminado através do filtro sem dificuldade.

Contudo, como nos veículos submetidos a ciclos urbanos curtos a temperatura necessária não é atingida provocando sua saturação. Nesta condição o sistema de controle eletrônico detecta a necessidade de uma “limpeza” e comanda uma regeneração ativa, e isso ocorre da seguinte maneira.

Através de sensores a ECU (Eletronic Control Unit), também conhecida por Centralina, o sistema injeta uma quantidade adicional de combustível direto no circuito de exaustão. A mistura entra no DOC (Diesel Oxidation Catalyst) e o calor gerado pela sua oxidação converte o CO e fuligem presente no DPF em CO2.

Então se tem um ciclo de autolimpeza, o DPF está a salvo no caso de uso urbano de ciclo curto? Infelizmente não.

Ocorre que com a condição de acumulo continuo, o sistema busca seguidas regenerações que, justamente por não atingir a temperatura ideal de trabalho ou serem interrompidas, não são concluídas. Assim o lubrificante se contamina propiciando o ciclo de contaminação progressiva e, paulatinamente, as colmeias do DPF vão sendo saturadas.

Acredito que você deve estar pensando: Então o uso de veículo diesel em ciclo urbano está condenado? Felizmente não, você pode usar tranquilamente o seu veículo diesel no ciclo urbano.

Mas este é um assunto sobre este combustível, que vamos tratar na terceira parte.

Texto: Rodolfo Aquino Hauck

Metalmoro 20

(*) Rodolfo Luiz Aquino Hauck tem 40 anos de experiência na indústria automobilística e sempre esteve envolvido com competições automobilísticas desde 1976, quando iniciou no Kart, fazendo provas de Turismo e rally. Por seis anos, foi responsável pelo desenvolvimento e preparação de carros de endurance e rally de uma montadora. Trabalha atualmente também com fotografia.

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Respostas de 28

  1. Muito obrigado pela aula! Já li 2 vezes e postei para amigos. Fico no aguardo da próxima. Abraços!

    1. Tadeu agradeço o seu comentário, mas não tenho a competência ou pretensão de dar qualquer tipo de aula, mas tão somente colocar um pouco de luz sobre o tema.

  2. Muito útil, essas explicações farão que muitos proprietários de veículos procurem manutenções mais frequentes. Muito obrigado.

  3. Explicação clara e de extrema importância como profissional da área! Obrigado Rodolfo

  4. Chefe, show de bola, entendo que a cada dia mais que descomissionar o uso dos dinossauros liquidos não é uma tarefa que se defina com dois palitos e uma azeitona.

  5. Não sou da área, mas achei o tema interessante e colocado de maneira bem didática! Parabéns!

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