Código mais flex

Com pontos polêmicos e alguns mais racionais, o Código de Trânsito Brasileiro inicia a semana com novas regras. As mudanças foram muito debatidas em comissões no Congresso Nacional antes da sanção do presidente da República no segundo semestre de 2020, mas que serão válidas a partir desta segunda, 12 de abril.

Osias Baptista Neto
Osias Baptista Neto: “ao flexibilizar e até relaxar a lei, o CTB cria maior probabilidade do motorista cometer indisciplinas” (Foto: Arquivo Pessoal)

O novo conjunto de regras altera 57 pontos do Código de Trânsito Brasileiro. “Os motoristas devem ficar atentos. As mudanças alteram desde regras referentes ao funcionamento dos órgãos de trânsito até o processo de habilitação de novos condutores”, avalia o CEO do do Zul +, uma das maiores autotechs da América Latina, André Brunetta.

Para entender melhor o “novo” CTB, o Acelera Aí convidou o consultor em transporte e trânsito, Osias Baptista Neto, que avalia ponto a ponto as principais alterações. Ex-presidente da BHTrans, empresa que gerencia o trânsito da capital mineira, o engenheiro eletricista é mestre em transportes pela UFMG e uma das sumidades do País, quando o assunto é trânsito e transporte.

“Foram muitas alterações, algumas boas e algumas ruins. A ideia geral que se teve foi de facilitar a vida para o motorista. Mas quando se faz isso tira-se dele algumas barreiras, podendo influenciar na segurança”, avalia o especialista.

Na sua opinião, ao flexibilizar e até relaxar a lei, o CTB cria maior probabilidade do motorista cometer indisciplinas. “E nós sabemos que as infrações de trânsito são o principal elemento envolvendo os acidentes e, consequentemente, as mortes no trânsito”, observa.

Mudanças ponto a ponto

CNH com novos prazos
CNH tem validades ampliadas (Foto: Contran/Divulgação)
  • Ampliação do prazo de validade para renovação da CNH: A Carteira Nacional de Habilitação passa a ter validade de 10 anos para quem tem até 49 anos; 5 anos para quem tem entre 50 e 69 anos; e 3 anos para quem tem 70 anos ou mais. Até então, a renovação da CNH ocorria a cada 5 anos para motoristas até 65 anos de idade e a cada 3 anos para motoristas com mais de 65 anos de idade.

Opinião do especialista: “Com esta ampliação, as pessoas vão ter que fazer menos exames médicos. Facilita para o motorista, pois ele não terá que gastar dinheiro e tempo em período mais curto. Mas aumenta a probabilidade de ter algum problema físico, como uma perda de visão, por exemplo, pelo envelhecimento dos olhos (catarata). Ou até mesmo de ter se envolvido em um acidente, que tenha causado uma perda de capacidade motora nesses intervalos. Muitas vezes a pessoa piora sua condição física e não se conscientiza que aquilo está acontecendo. Então ela perde um pouco a capacidade de direção do veículo e nem percebe e, no momento em que sua habilidade deve ser exigida ao máximo, numa situação de risco e de acidente, ela não consegue reagir adequadamente. A mudança nos prazos não é necessariamente ruim, mas abre a probabilidade de pessoas com menos capacitação física continuarem dirigindo”.

  • Aumento do limite de pontos para a suspensão da carteira de motorista:  As novas regras são as seguintes:
  • 40 pontos para quem não tiver infração gravíssima;
  • 30 pontos para quem tiver 1 única infração gravíssima;
  • 20 pontos para quem tiver 2 ou mais infrações gravíssimas

Nos casos de motoristas profissionais, o limite para suspensão da CNH será de 40 pontos independentemente da gravidade das infrações. Até então, ao atingir 20 pontos na CNH em 12 meses ou cometer uma infração de trânsito mandatória – que suspende automaticamente a CNH -, o motorista era penalizado com a suspensão do direito de dirigir.

Opinião do especialista: “É uma medida impactante. A autoridade de trânsito cria um relaxamento dos motoristas, que ficam mais confortáveis para dirigir e cometer infrações. Eles passam a prestar menos atenção. Por isso, estima-se o aumento da velocidade média no trânsito, de estacionamentos em locais proibidos, de avanços de sinais. Esses novos prazos são um relaxamento, favorecendo o cometimento de infrações, o que é muito ruim para a segurança viária”.

Mudança na regra no uso de cadeirinha
Regra do uso da cadeirinha agora é pela altura da criança (Foto: Natália Buss)
  • Uso obrigatório da cadeirinha em crianças de até 10 anos: Passa a ser obrigatório a inclusão da altura da criança nas regras de uso, além da obrigação do equipamento de segurança em crianças com idade igual ou até 10 anos. Anteriormente, crianças de 7 anos e meio até 10 anos só precisavam sentar-se no banco traseiro com cinto de três pontos.

Opinião do especialista: “É uma modificação positiva. A regulamentação vai dispor de acordo com cada tamanho da criança e isso aumenta muito a segurança dela. Às vezes, os pais trocam o dispositivo onde a criança pode ser transportada, mas ela não tem físico adequado para isso. Agora, esta escolha passa a ser feita de uma forma mais natural e mais lógica e a proteção fica maior. No caso das motos também mudou. Antes, apenas a criança menor de sete anos não poderia viajar na garupa, agora o limite é menor que 10 anos, desde que ela tenha condição de cuidar da própria segurança na garupa. E isso vai depender do porte físico da criança e sua capacidade de se segurar nos suportes próprios da moto ou no corpo do condutor. Neste aspecto, entra em cena uma questão um pouco subjetiva, pois quem vai avaliar esta condição da criança são os pais e responsáveis. Não ficou muito claro na regra quanto à participação do agente de trânsito nesta avaliação”.

Farol de dia só em pista simples
Farol ligado de dia só em estradas de pista simples (Foto: Pixabay)
  • Uso obrigatório de luz baixa de dia apenas em rodovias de pista simples:  O Código de Trânsito Brasileiro dizia ser obrigatório o uso da luz baixa, durante o dia, nas rodovias. A norma não distingue o tipo de estrada. Quem não cumpre a regra comete infração média, com quatro pontos na CNH e multa de R$ 130,16. A partir de agora, os veículos que não estiverem equipados com luz diurna (DRL) deverão usar o farol baixo aceso, mesmo durante o dia, nas rodovias de pista simples situadas fora dos perímetros urbanos, sob pena de cometer infração média. A luz diurna será incorporada progressivamente aos novos veículos fabricados no País ou importados, na forma e nos prazos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran).

Opinião do especialista: “É um exemplo que mostra o Brasil seguindo o caminho inverso, as vezes. O uso da luz baixa em qualquer estrada de dia se tornou polêmico, mas os motoristas acabaram se acostumando e obedecendo a norma. Era a chance de o País ampliar esta exigência também nas cidades, mas não. Só nas pistas simples agora isso é obrigatório. Está mais do que provado que o uso do farol baixo de dia permite maior visibilidade para o pedestre e evita atropelamentos, porque ele consegue distinguir melhor se o veículo está em movimento ou estacionado. E ainda ajuda o motorista em um cruzamento, quando precisa olhar rapidamente para visualizar os carros que vêm na via, mesmo que tenha a preferência. Na pista dupla o motorista também precisa estar com os farol baixo ligado, pois é quando se usa muito os retrovisores para fazer uma ultrapassagem ou para permitir uma ultrapassagem. O carro fica mais visível e isso aumenta a segurança”.

recall automotivo
Carro que não atender ao recall terá problemas de licenciamento (Foto: Contran/Divulgação)
  • Atendimento obrigatório ao recall dos fabricantes: Caso o proprietário do veículo não atenda ao recall da montadora, para reparo ou troca (gratuitamente) de equipamento que possam colocar em risco a segurança dos ocupantes, no prazo de um ano após o início da campanha, uma notificação de pendência será incluída no próximo licenciamento anual (CRLV), seja na versão em papel ou eletrônica. Com isso, o dono do veículo terá muitos impedimentos para renovar a documentação.

Opinião do especialista: “Acho muito positiva esta medida da obrigatoriedade do atendimento ao recall. Vai aumentar o nível de manutenção dos veículos e, por consequência, a segurança no trânsito nas cidades e nas estradas”.

Nota da redação: Dados divulgados pelo Ministério da Justiça apontam que das 701 campanhas de recall em todos os segmentos de mercado realizadas nos últimos cinco anos, 189 apresentam níveis abaixo de 10% de atendimento e 103 com níveis entre 10 e 40%.

Os automóveis são a categoria com o maior número de chamados, com 517, ou seja mais de 70% do total. Em seguida aparecem a de motocicletas, 72 (10%) e caminhões, 16 (2,28%). No caso dos automóveis, 9.504.580 veículos se envolveram em recall, sendo que 4.584.144 foram atendidos.

viseira capacete obrigatória
Motociclista com viseira levantada terá multa mais pesada (Foto: Pixabay)
  • Uso obrigatório de viseira ou óculos de proteção pelo condutor de motocicleta: Motociclista com viseira levantada, sem viseira ou óculos de proteção adequados será penalizado, e passa ser uma infração média. A nova regra elimina dois pontos conflitantes que existiam entre o Código de Trânsito Brasileiro e uma resolução do Contran.

Opinião do especialista: “Além de organizar a norma, a exigência é fundamental para a segurança do motociclista e do trânsito em geral. No calor realmente é complicado usar a viseira ou óculos, mas tem que ser cobrado. Eles protegem a visão do condutor que está sujeita a poeira ou a algum inseto, podendo causar a perda de controle da moto e, por consequência, um acidente”.

CNH digital
Uso da CNH digital deverá ser aumentado, apesar da regra de não obrigatoriedade do porte (Foto: Contran/Divulgação)
  • Porte não obrigatório da CNH: O condutor não será multado, caso não esteja portando a Carteira de Habilitação, desde que o agente de trânsito tenha condição de consultar a existência do documento e suas informações válidas nos sistema dos Detrans.

Opinião do especialista: “A medida é oportuna, porém arriscada. Isso porque caso o agente de trânsito não consiga checar os dados, o motorista será multado e poderá ser impedido de dirigir. Hoje já é possível ter a CNH e o Licenciamento digital, em aplicativo de smartphone. E hoje é muito mais comum a pessoa esquecer a carteira em casa do que o telefone”.

motoristas profissionais
Motoristas profissionais terão prazos diferenciados para exames toxicológicos (Foto: Pixabay)
  • Novos prazos de renovação exame toxicológico: O novo texto mantém a obrigatoriedade do exame toxicológico para motoristas das categorias C, D e E. E prevê a realização de um novo teste para esses condutores, com idade inferior a 70 anos, com periodicidade de 2 anos e 6 meses. O exame será realizado sucessivamente, independentemente da validade da CNH.

Opinião do especialista: “Os novos prazos flexibilizam os prazos do exame, porém torna a infração e penalidades mais pesadas, passando a gravíssima, além de multa e suspensão da CNH por três meses. Como esses motoristas precisam do documento válido para trabalhar, pois são categorias profissionais, a expectativa é que os exames sejam realizados no tempo exigido. Infelizmente, a gente sabe que há um percentual muito alto de motoristas que dirigem sob efeito de substâncias entorpecentes por questões pessoais, por vício ou por acharem que isso facilita o trabalho deles para suportar os trechos longos de solidão nas estradas. Na realidade não é isso que acontece. Há vários acidentes seríssimos com caminhões nas estradas, porque o motorista está fora das suas condições normais de direção por causa de efeitos dessas drogas”.

Direita livre
Direita livre mesmo com sinal fechado desde que tenha sinalização (Foto: PBH/Divulgação)
  • Direita livre: Uma nova regra diz que é livre o movimento de conversão à direita diante de sinal vermelho do semáforo, onde houver sinalização indicativa que permita essa conversão.

Opinião do especialista: “A conversão à direita livre, mesmo com o semáforo fechado, é comum da gente ver nos filmes norte-americanos. Aqui passa a ser igual, desde que haja sinalização indicativa de Direita Livre. Se não houver placa torna-se infração. Isso não significa que o motorista pode virar à direita, sem antes prestar atenção na passagem de pedestres e ciclistas e também no veículo que segue pela via preferencial”.

ciclovias mais respeitadas
Novas regras buscam aumentar o respeito aos ciclistas (Foto: Pixabay)
  • Ciclistas mais protegidos: Duas regras novas dizem respeito à maior proteção aos ciclistas. O Código de Trânsito Brasileiro agora classifica como gravíssima a infração do motorista que dirigir sem respeitar a distância de um metro e meio do ciclista. A multa também está mais rígida para quem estacionar em ciclovias ou ciclo-faixas.

Opinião do especialista: “As novas regras buscam fazer com que motoristas de automóveis, ônibus, caminhões e até motocicletas tenham mais respeito aos ciclistas no trânsito. Além de obedecer a distância, deverão imprimir uma velocidade mais baixa e compatível com a via de trânsito e reduzir riscos de acidentes. Também acho ser uma medida positiva multa mais alta para quem acha que ciclovia é estacionamento. É uma questão de educação”.

  • Possibilidade de advertência escrita no lugar da multa: Com a nova lei, quem cometer uma infração de trânsito leve ou média poderá ser punido apenas com uma advertência por escrito. Ou seja, sem boleto para pagamento de multa ou acréscimo de pontos na CNH. No entanto, essa nova regra só vai valer no caso de o condutor não ser reincidente na mesma infração nos últimos 12 meses.

Opinião do especialista: “No código antigo a autoridade de trânsito poderia avaliar se converteria ou não a infração em advertência. Agora é automático. Ou seja, se for autuado apenas uma vez durante um ano em uma infração média ou leve, o condutor habilitado terá a infração automaticamente transformada em advertência. Importante frisar que esta advertência fica registrada no prontuário da pessoa. Então se ela receber outra advertência no mesmo período, vira automaticamente em multa e perda de pontos”.

Fim das aulas noturnas
Fim das aulas noturnas para candidatos a habilitação (Foto: Pixabay)
  • Fim das aulas noturnas: O Código de Trânsito Brasileiro teve a revogação do artigo que diz que parte da aprendizagem será obrigatoriamente realizada durante a noite. A reivindicação polêmica foi de parte dos instrutores de trânsito do País.

Opinião do especialista: “É uma visão muito ruim este fim da obrigatoriedade de aulas práticas noturnas para quem está em processo de aprendizado para habilitação. Na incapacidade de fiscalizar, porque há indícios de fraudes em alguns casos, prefere-se largar a regra de lado. Por que na aviação o piloto é obrigado a treinar a aterrissar à noite ou com chuva? Porque a aviação é uma coisa séria. No Brasil, infelizmente, o trânsito não é levado a sério pelos nossos governantes.  Isso faz com que o futuro motorista não ganhe experiência em várias situações de trânsito. E quando ele conquista a CNH está liberado em dirigir à noite, em rodovias, com chuva ou em outras situações mais pesadas, sem ter sido treinado corretamente. Cada vez que se relaxa o ensinamento para ser habilitado, facilita-se que pessoas mais despreparadas estejam no trânsito. Não é à toa temos esses números absurdos de acidentes e mortes no trânsito”.

condutores sem infração
Condutores que respeitam as regras terão benefícios (Foto: Redes Sociais)
  • Serviço de benefícios aos bons condutores: As novas regras de trânsito também determinam a criação do Registro Nacional Positivo de Condutores (RNPC). Ele será um serviço de cadastro de motoristas que não cometeram infração de trânsito nos últimos 12 meses. O RNPC poderá ser utilizado para conceder benefícios fiscais e descontos tarifários aos condutores cadastrados com a autorização e consentimento prévio do motorista.

Opinião do especialista: É o tipo de regra que não faz sentido. Hoje a gente tem uma estimativa feita por órgãos de trânsito que menos de 1% das infrações são fiscalizadas e autuadas, entre as notificadas. Nos bairros, nos lugares onde não há detecção de radar, as pessoas abusam, avançam semáforos, estacionam em locais proibidos, simplesmente porque não existe autoridade de trânsito por perto. Então, esses motoristas não cometem infração porque não foram vistas pela fiscalização ou equipamento. Então se cria um registro positivo para um monte de gente que cometeu infração o ano inteiro e simplesmente deu a sorte de não ter sido vista. Caso houvesse um percentual mais alto de fiscalização a regra faria sentido. Vai ter muita gente ganhando benefícios sem merecer”.

Texto: Luís Otávio Pires

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